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Roda de discussão literária analisa obra de Jeferson Tenório

Texto: Miriam Gimenes

COLÉGIO XINGU REALIZA RODA DE DISCUSSÃO DO LIVRO ‘O AVESSO DA PELE’ COM PARTICIPAÇÃO DE ESPECIALISTA

A palavra empatia consiste no ato de se colocar no lugar de alguém. A definição é bonita, louvável também, mas, na prática, é algo quase impossível de alcançarmos. Sentir a dor do outro somente estando ‘no lugar’ dele, de fato. Mas de tão bom, o livro O Avesso da Pele, do professor e escritor Jeferson Tenório, nos aproxima com precisão da realidade de um jovem negro do Sul do país, o Pedro, que após ter seu pai, um professor, assassinado em uma abordagem policial, tenta voltar o passado e recontar a história da sua família.

A publicação, que ganhou o Prêmio Jabuti em 2021, o mais importante da literatura nacional, foi tema da Roda de Discussão Literária promovida pelo Colégio Xingu no início de novembro, com a participação de responsáveis pelos alunos e da comunidade escolar. A mediação foi de Janine Rodrigues, escritora e educadora, graduada em Gestão Socioambiental com especialização na mesma área na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), além de fundadora da Piraporiando - Educação para Diversidade. “Este livro é a história de um filho que lida com a dor de ter perdido um pai. Ela começa com ele em casa, rememorando e recontando a trajetória paterna, com uma proposta dessa história não ser esquecida tanto para ele quanto para quem está no entorno”, explica Janine. 

A questão racial é abordada no decorrer das páginas, em que Pedro vai falando de seus traumas de infância, dores e questões. E é perceptível, como destaca a mediadora, que a sociedade geralmente lê as pessoas de uma maneira que a cor aparece antes do que qualquer outra característica. “O racismo não está relacionado a uma questão econômica. Essa narrativa é colocada muitas vezes, que o problema da descriminação no Brasil é contra pobres, mas não contra negros. Mas não é assim. Antes de qualquer informação sobre mim enquanto mulher negra o que chega primeiro é a cor. Quando ele (livro) fala que a cor da pele atravessa o nosso corpo, quer dizer que existe uma leitura social sobre mim que independe das minhas escolhas, comportamento, da minha fala. Antes que eu possa mesmo me posicionar e trazer qualquer coisa sobre mim, a minha cor e o que se pensa sobre ela chega primeiro”, analisa. 

E essa desumanização da pessoa negra permite uma série de violências, como a que aconteceu com a família do personagem principal do livro e assistimos, diariamente, nos noticiários. “Matar alguém negro, xingar, tem um impacto na sociedade muito menos escandaloso do que quando praticado contra uma pessoa não negra.” Isso é comprovado, inclusive, pelos inúmeros casos de impunidade. 

Embora a questão do ‘lugar de fala’, termo bastante usado hoje em dia, seja apenas daquele que sofre o preconceito de fato, imaginar ou pelo menos se aproximar, como propõe o autor, o que sofre a população negra, já é uma prática antirracista importante. Janine diz que existe uma ideia no imaginário da sociedade que falar sobre o racismo e educar para que ele não ocorra mais é algo trivial, o que não é verdade. “O livro tem momentos duros, angustiantes, que mexem muito com nossos sentimentos e a gente começa a perceber um pouco do peso e dor que são as mazelas decorrentes do racismo. Falar sobre o racismo, pensar no letramento racial é algo que precisamos fazer com muita responsabilidade, porque estamos colocando a mão em uma ferida que ainda está aberta. E quando entendemos, por leitura, vivências de um personagem que traz para gente dores muito complexas e profundas, este tipo de incômodo, nó na garganta, soco no estômago, é um pouco o que a gente precisa ter quando vamos pensar na pauta do racismo, na nossa vida, dos estudantes, das nossos filhos, porque é uma violência constante e de algo que não acabou na sociedade.”

Outro ponto discutido durante o encontro promovido pelo colégio é o fato da história de Henrique ser contada por seus objetos. Como Janine bem lembrou, sua trajetória teve de ser lembrada pelos seus pertences porque o dono foi assassinado, uma realidade que ocorre com os negros há séculos, inclusive os escravizados. E se não é possível se colocar no lugar de Pedro e seu pai, o caminho sugerido pela mediadora é refletir sobre o quanto nosso cotidiano tem pessoas negras, já que o letramento racial demanda uma convivência que não dá para adquirir só a ver um filme, ler um livro. Como disse o ativista norte-americano Martin Luther King, ‘não há nada mais trágico neste mundo do que saber o que é certo e não fazê-lo. Que tal mudarmos o mundo começando por nós mesmos?’. Mãos à obra.