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Rede de ajuda, que combate ao bullying e outros conflitos dos alunos, inicia segunda fase no Colégio Xingu

Por Miriam Gimenes

Vivemos tempos difíceis em que a intolerância e a falta de empatia parecem ter tomado conta da sociedade brasileira, principalmente nos últimos meses. É difícil fazer com que adultos tomem consciência e mudem suas condutas. Já com as crianças isso não ocorre por conta da facilidade que têm de aprender e se adaptar. É com elas, portanto, que mora a esperança de que essa realidade seja mudada, a começar no ambiente escolar, no qual aparece um grande vilão a ser combatido: o bullying.

Foi com esta preocupação que o Colégio Xingu aderiu, ainda no ano passado, a Rede de Ajuda, projeto de Convivência Ética nas Escolas implantado pelo Gepem (Grupo de Estudos de Pesquisa em Educação Moral) em 27 escolas em São Paulo, Brasília e Belo Horizonte – 14 já implantaram e 13 começaram este ano. “Em 2015, começamos a fazer estudos com algumas pesquisas do exterior que abordavam formas mais eficazes de combater o bullying e prevenir o que seria consequência desse problema. Chegamos a este sistema de apoio entre pares, que é uma adaptação do grupo desenvolvido por José Maria Martiez, professor da Universidade de Valladoulid, na Espanha. Ele se tornou parceiro do nosso grupo de pesquisas aqui da Unicamp e então começamos a traduzir, revisar e adaptar todo material de formação dos alunos para o Brasil”, explica a professora coordenadora do Gepem, Luciene Tognetta.

O projeto consiste, de modo geral, no acolhimento de alunos pelos próprios colegas de classe. Depois de uma assembleia, em que a votação é anônima, eles escolhem os representantes que vão ajudá-los a resolver os conflitos cotidianos. Esses alunos eleitos – que recebem um botton identificador -, passam a fazer parte das Equipes de Ajuda e recebem formação com material específico, para aprenderem a identificar conflitos, ajudar a solucioná-los e a encaminhar aos adultos quando necessário. “O Colégio Xingu está implantando esse projeto desde o ano passado e agora está na segunda fase, que é a continuação somada ao trabalho com resultados de pesquisa do ano anterior”, explica Luciene. Dar esse protagonismo aos alunos, além de proporcionar segurança, também os ajuda a ter mais amigos e a melhorar também a relação com os professores.

A iniciativa de aderir o projeto à grade curricular do Colégio Xingu, segundo a diretora Viviane Passarini, foi porque ele conversa com a preocupação que a escola sempre teve na formação emocional dos alunos. “Em 2017, tive a oportunidade de participar de um seminário internacional promovido pela Unicamp, que teve como objetivo compartilhar com as escolas todas as experiências que têm acontecido no Brasil e no exterior sobre o trabalho de convivência ética. Como diretora nessa área, sempre acreditei muito no trabalho da educação socioemocional. Acho que isso faz toda a diferença na formação dos alunos e então já tínhamos estudos que antecederam essa vivência”, explica.

Antes, no entanto, foram realizadas algumas aulas a fim de prepará-los para a Rede de Ajuda. “Temos a aula de Convivência Ética semanalmente e nela trabalhamos muito o que é ser um aluno da Equipe de Ajuda. Quais os valores esse aluno precisa ter. Para participar da equipe, esse aluno precisa guardar sigilo, ser ético, ter uma conduta que inspire toda a confiança nos seus colegas, porque é um trabalho entre pares que vai correr entre as crianças. O aluno eleito precisa ter essas características”, explica Viviane. Foi neste trabalho de autoconhecimento que eles se olharam e perceberam as qualidades que tinham e quais faltavam. “Nem os adultos, às vezes, tiveram a possibilidade de uma reflexão tão profunda. Levantar as faltas não é para se martirizar, mas sim olhar e dizer ‘se sou bom posso ajudar as pessoas com o que eu tenho’”. O que faltava foi colocado como meta de superação, de desenvolvimento de habilidades”, acredita a diretora.

O PROJETO NO XINGU

Assim, alunos do 5º ao 7º ano iniciaram as eleições e escolheram os integrantes da equipe de ajuda. Os mais novos, ressalta Viviane, se interessaram bastante em participar, enquanto os mais velhos ficaram receosos de início. “Nesta fase da adolescência, ser um bom aluno nem sempre é bem visto por todos, a gente percebe na sociedade uma inversão de valores. Por isso, acreditamos tanto na Equipe de Ajuda, pois ela pode reverter isso. Queremos que o exemplo não seja daquele aluno que saia ofendendo a todos e chutando o lixo no intervalo, mas que seja valorativo aqui na escola aquele que consegue dar o apoio para quem está sozinho no intervalo, ajudar nas tarefas, levar a lição na casa do aluno que ficou doente. É uma mudança que leva um tempo, mas vamos chegar lá, tenho certeza”, diz Viviane.

A criança, na visão da diretora, tem uma capacidade cerebral de rapidamente absorver o que lhe é ensinado e isso é uma grande vantagem. “A gente percebeu no dia a dia uma escola mais pacífica, na qual os meninos tentavam, pelo diálogo e principalmente pela iniciativa deles, resolverem os problemas. Essa autonomia é preciosa, pois as crianças de hoje são superprotegidas pela sociedade. A gente tem medo de tudo, não deixamos o filho sair para brincar na rua, não os deixamos sozinhos. Quando chegam aqui, eles não conseguem resolver os conflitos. Eles procuram o adulto ou tentam resolver da pior maneira, com violência física ou verbal. Com esse trabalho, o que percebemos de imediato é uma tentativa de eles buscarem a autorregulação”, analisa Viviane. É importante dizer, no entanto, que eles são orientados para que em casos mais graves – como uso de drogas ou assédio sexual -, relatarem imediatamente a um adulto. “Mas ainda bem que até hoje não tivemos esse tipo de problema aqui”, ressalta a diretora.

A escola está no processo preparatório para implementar o projeto este ano e as Equipes de Ajuda – que participarão em agosto do 2º Encontro Nacional das Equipes de Ajuda em Campinas – entram em ação no mês de maio.

NA PRÁTICA

Duas integrantes do grupo que darão início aos trabalhos no próximo mês, já foram eleitas. São as estudantes do 8º ano, Carolina Ignacio Vilela, 13 anos, e Beatriz Alves Gomes, 13 anos. “No ano passado, fomos eleitas pela nossa classe e agora fomos convidadas a continuar na Equipe de Ajuda e aceitamos. A experiência que tivemos foi muito boa e a nossa professora falou que não se trata de um desenvolvimento para a escola, mas para vida, como ser humano e nós já percebemos isso”, analisa Beatriz.

Elas explicam que ajudaram a implementar o projeto ‘Zero Bullying’, que consiste em caixas espalhadas pela escola em que os alunos podem depositar bilhetes anônimos relatando casos de bullying. “A maioria (dos bilhetes) reclamava de apelidos. São coisas que a gente acha que não machuca, que é apenas uma brincadeira, mas acaba magoando a outra pessoa”, diz Carolina. Nestes casos, a vítima era chamada por uma Equipe de Ajuda para uma reunião. “A Viviane nos explicou que os dois precisam de ajuda, tanto quem sofre quanto quem faz o bullying e percebemos que é isso mesmo. Se a vítima se sentia confortável, chamávamos quem a agredia ali e solucionávamos o caso.” O resultado era medido por conversas posteriores e a observação dos integrantes da equipe.

Elas admitem a importância deste tipo de ação por conta da realidade em que estamos vivendo. “A sociedade ultimamente não tem dó, as pessoas só pensam em si mesmas, são egocêntricas. Precisamos mudar essa mentalidade e o melhor lugar para começar isso é na escola”, analisa Beatriz, que quer ser Pediatra e divide o sonho com a amiga, que se vê, no futuro, como Neurologista. “Continuaremos ajudando os outros para sempre”, comemora Caroline.