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Mês da Mulher - Especial "Mulheres do Xingu": Dona Luzia

Texto: Miriam Gimenes

“Sou apaixonada pela Educação”

A primeira vez que Luzia Penha Camata entrou em uma sala de aula tinha 10 anos de idade. Sequer havia sido alfabetizada. “A professora achou que eu sabia escrever. Me deu uma cartilha para fazer exercícios e comecei a copiar as letras. Ela percebeu que não sabia ler. Entrei no segundo semestre do ano e, no final dele, já estava alfabetizada.” Dona Luzia, fundadora do Colégio Xingu, hoje com 81 anos, destaca o quanto o acolhimento da professora foi importante na sua estreia no ambiente escolar e como a Educação pode mudar a vida de uma pessoa. “Ela era muito especial e muito boa, porque em pouco tempo conseguiu me fazer ler e escrever”, lembra.
A pequena Luzia nasceu em Minas Gerais. Foram tempos difíceis. “Era o pós-guerra (Segunda Guerra Mundial, em 1945) e meus avós vieram da Itália. Meus antecedentes são de pessoas muito simples. Minha mãe fez até o quarto ano primário, ninguém estudava naquela época. Por consequência dessa realidade, meu avô dizia que mulher não precisava estudar.” A família veio para Santo André quando ela tinha três anos. A mãe, muito jovem, passou a trabalhar em casas de família e os avós foram os responsáveis por cuidar da menina.
“Os patrões da minha mãe queriam que eu fosse estudar e a minha grande oportunidade começou neste momento. Estudei em escola particular a partir da 5ª. série, no antigo IESA. Depois fui para o Américo (Brasiliense), terminei o meu curso normal no Colégio Santo André. Em 1961 terminei o Magistério e em 1962 passei a trabalhar em colégio do Estado e no Sesi”, conta dona Luzia. Neste meio-tempo, fez Pedagogia, curso de especialização em crianças especiais, casou e teve dois filhos.
Foi então que ela deixou de dar aula na escola estadual e criou a sua própria: o Recanto Infantil Cirandinha, na rua Dona Carlota, em Santo André. “Iniciamos com Educação Infantil, que tinha apenas três alunos. Um era meu filho e outros dois conhecidos. Também foi um período muito difícil. Tempos depois, quando já tínhamos 60 alunos, houve uma epidemia de meningite, no final da década de 1970. Ficaram apenas 25 crianças na escola.” Passada esta tempestade, a sede da escola passou para a rua Adolfo Bastos, onde permaneceram por 19 anos. Construíram, portanto, o prédio onde hoje fica o Xingu, onde se mudaram em 2004.
As intempéries econômicas que a escola vivenciou - plano Cruzado, inflação, etc - e a forte concorrência levou com que dona Luzia, em 2006, tivesse de se desfazer da escola. “Entregamos o Colégio (na época chamava-se Atual) com 400 alunos. Foi muito difícil, foi como vender um filho. Entreguei a escola para a rede Pueri Domus de pé, não perdemos um aluno porque fizemos um trabalho com a comunidade que foi muito legal. Depois eles fizeram uma negociação com a direção que está aí agora. E foi muito boa essa transição.”
A educadora lembra que costumava trabalhar com as crianças todas as áreas do conhecimento. “São todas as questões e hábitos que a Viviane (diretora) valoriza. É preciso aprender que a criança é um ser espiritual, emocional, intelectual e social. Foi uma coisa que sempre valorizei, mesmo quando estava no Sesi. E meu foco sempre foi aprimorar o desempenho do professor, investir nele, para que possa dar esse suporte para os alunos e trabalhar muito feliz. Eu sou apaixonada pela Educação.”
Passados 14 anos desde que deixou o Colégio Xingu, dona Luzia comemora estar com saúde e ser produtiva. “Desde que saí, trabalho com professoras da ação dominical bíblica, da igreja que frequento, e a mesma formação que fiz na escola trabalho com os professores da igreja. É isso que gosto de fazer, investir em pessoas. Tenho até hoje o reconhecimento de profissionais que trabalharam comigo nesta jornada”, comemora.
Ela, que chegou a ouvir do avô, como já foi dito, que mulher não deve ir para escola, lembra que a trajetória feminina sempre foi de grandes desafios. “Na minha época existia a ideia que mulher não estudava, não podia usar calça comprida, não podia se pintar, porque era considerada vulgar. O que temos hoje, entendo como conquistas, se comparado ao meu tempo. A mulher está inserida e tem voz na sociedade.” Dona Luzia lembra que sua mãe tinha cinco irmãos e quatro irmãs, que tiveram filhos, e, de todos os sobrinhos, ela foi a única mulher que conseguiu estudar. “Para você ver que, às vezes, precisa agarrar a oportunidade que tem. Eu agarrei e depois fui por mim mesma. Acho que hoje é mais fácil, a sociedade está mais receptiva, tem mais oportunidades. A humanidade deu um grande salto nos últimos 50 anos”, avalia.
O mesmo ela vê com o uso da tecnologia nas escolas, principalmente durante a pandemia. “Quando comecei a escola não imaginei onde chegaria a tecnologia, mas já tínhamos um computador enorme em que meu filho dava aulas. Sempre acho que você tem de inserir o momento no seu dia a dia e na educação. Embora seja um pouco conservadora, acompanho a evolução. Também uso a tecnologia, faço reuniões, curso de inglês on-line, e tudo isso veio para ficar. Não adianta resistir”, analisa. Ainda que os avanços estejam cada vez mais na rotina do aprendizado, ela enaltece a importância de crianças e adolescentes exercitarem a sociabilização, algo que só será sanado quando as aulas presenciais voltarem.
E qual o seu sonho, dona Luzia? “Tenho para o mundo e para o pessoal. O sonho para o mundo é que Deus coloque uma mão e possa reverter essa pandemia que, ao nosso olhar, vai durar muito. Que os homens se reergam de forma mais digna e que o nosso País tenha um governo mais saudável e equilibrado. E do lado pessoal quero ver um bisneto antes de Deus me chamar. Que eu também possa contribuir com alguém de alguma forma e ver, depois de tudo isso, que eu tenho sido um bom testemunho nesta trajetória de vida que tive.” Não tenha dúvida, dona Luzia.