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Educadores do Xingu dão continuidade aos estudos para o início das aulas

A atualização é uma premissa para o Colégio Xingu. E isso não se restringe apenas em conhecimentos técnicos ou didáticos, compreende também o quesito humano. Tanto que, durante o mês de janeiro, profissionais da comunidade escolar passaram por cursos de formação que os ajudarão durante o ano letivo com os alunos em sala de aula. Entre os profissionais convidados para as palestras estão o professor Luã Apyká, da comunidade indígena de Piaçaguera, a antropóloga e escritora Heloisa Pires Lima, além do professor de Filosofia, Lupércio Rizzo, que já fez parte do corpo docente da escola.

Segundo a coordenadora da Etapa I, Alessandra de Freitas Piccoli, a intenção das formações foi alimentar o conhecimento da equipe de forma ampla, para além das salas de aula. “A nossa escola tem um olhar muito voltado para o pedagógico, fazemos isso com muita responsabilidade, buscando conhecimento, mas também nos importamos com a formação da face humana da criança. Por isso, a formação tem tudo a ver com o que a escola acredita. Todos estamos voltados para o mesmo norte: atender o pedagógico com qualidade e cuidar da criança como um todo”, ressalta.

Recursos para isso não faltam. Na primeira palestra das citadas, Luã, que atua como professor em comunidades indígenas - sua aldeia é no Litoral Sul de São Paulo e compreende 13 comunidades - estuda Linguística na Unicamp, é escritor e se define como um ‘ser da floresta’. Para ele, a língua tupi-guarani é usada como forma de empoderamento dos povos indígenas, que têm como ideal transmitir os seus valores e proporcionar uma reconexão com os ancestrais e a natureza.

Por isso, o palestrante costuma levar seus alunos para aprenderem ‘in loco’, ou seja, a geografia no curso dos rios e biologia nos pés das árvores. Segundo ele, o nosso corpo é um excelente material didático. “Quantas vezes temos nos livros escolares tanta neve e muitas crianças daqui nunca viram neve?", questiona. “Temos de trazer os exemplos de uma realidade mais próxima deles.” Usou de exemplos da cultura indígena para mostrar uma educação que toque a alma da criança. “Nós costumamos colocar os alunos em círculo. Quando você coloca a criança olhando uma para a nuca da outra, o efeito não é o mesmo. Olhar no olho é descolonizar, é trazer um ensinamento mais saudável. É hora de trabalharmos isso”, sugeriu.

Já Heloisa, tratou sobre a importância das práticas antirracistas, que já estão em vigência na comunidade escolar há certo tempo, tanto que ano passado ela participou de uma live no colégio em que tratou do assunto. Segundo a especialista, é preciso descolonizar de forma urgente a educação. “É preciso transcender a colonialidade que ainda persiste nos dias atuais e considerar a singularidade para construir o acesso de uma forma mais equilibrada. O ambiente educativo repassa ou rompe as coisas, como o racismo, machismo, preconceito e discriminações, que são mantenedores das desigualdades.” É papel de toda comunidade, o que inclui professores e família, desconstruir qualquer traço de preconceito que possa existir entre essas crianças.

O professor Lupércio tratou das polarizações que temos visto na sociedade como um todo e da importância em não ter a sua verdade como única, de ouvir as outras opiniões diferentes também. ‘‘Quando a gente está falando de ciência é isso que fazemos em sala de aula: trabalhamos com ciência e temos de trabalhar com consciência. No sentido do cuidado ao falar e do respeito aquilo que está posto. É difícil, porque nós temos uma tendência em querer colocar a nossa maneira de pensar. Mas temos de entender que tem quem pense diferente e isso não tem problema algum.”

O momento cheio de incertezas contribui, acrescenta, para uma disputa acirrada de opiniões, o que não ajuda em nada os alunos, que precisam de acolhimento como nunca. “Em poucos momentos a escola teve um papel de luz e diálogo com a sociedade como hoje. O nosso papel como professor é entender que a gente prepara as pessoas para o futuro. O que precisamos tomar cuidado neste momento é a distância que existe entre a ciência que eu ensino e a realidade que o mundo mostra para nós. Isso manda que eu tenha mais atenção e cuidado para que não torne minha aula um palanque sem perceber. Porque se há um lugar onde esse aluno tem de ter tranquilidade e um discurso coeso é na escola”. finaliza. Acolhimento, respeito às diferenças e o olhar ancestral, portanto, são alguns pontos que guiarão a escola pelos próximos meses.